domingo, 6 de junho de 2010

538 - IMPÉRIO ROMANO

[Oracula, São Bernardo do Campo, 3.5, 2007]
ISSN 1807-8222
IMPÉRIO ROMANO, MOVIMENTOS DE PROTESTO E JESUS
UMA ABORDAGEM RELACIONAL SEGUNDO RICHARD HORSLEY
Fernando Lopes de Aquino
Resumo
Diante da diversidade de resultados das pesquisas do Jesus Histórico, é importante
perceber o quão surpreendentes são algumas considerações quando se avalia a política
imperial dos romanos, as regiões dominadas e a figura de Jesus sem a devida
relacionalidade que qualquer ambiente minimamente politizado produz.
Palavras-chave: Império romano, movimentos de protesto, Jesus, relacionalidade.
Abstract
Before the diversity of results of the Historical Jesus research, it is important to perceive
how surprising are some considerations when one evaluates the imperial politics of the
Romans, the dominated regions, and the figure of Jesus without the proper relationality
that any minimum politicized environment produces.
keywords: Roman Empire, protest movements, Jesus, relationality.
INTRODUÇÃO
Pesquisas sobre o Jesus Histórico, ou outros personagens ilustres de nossa cultura, trazem
em suas considerações pressupostos nitidamente modernos e ocidentais. Compreender e
avaliar a história peculiar da figura de Jesus e de seu contexto imediato é, nas considerações
de Richard Horsley, professor de línguas clássicas e religião na Universidade de
 Sétimo período da graduação em Teologia e terceiro período da graduação em Filosofia pela Universidade
Metodista de São Paulo (Umesp). Integrante do Grupo Oracula de Pesquisas em Apocalíptica Judaica e
Cristã. Endereço eletrônico: fernando_ldaquino@yahoo.com.br.
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Massachusetts (Boston), um quesito determinante. Para essa tarefa, o autor procura
desenvolver um método “histórico-relacional” entre as condições político-sociais criadas
pela dominação romana, os protestos populares e, por fim, Jesus em sua prática e proposta.
Nas condições históricas particulares que haviam criado uma crise para os antigos povos da
Judéia e da Galiléia, é imprescindível compreender como as práticas e efeitos do
imperialismo romano transformaram o contexto imediato de Jesus, em um período de
grandes revoltas e protestos que tornam sua figura uma entre outras mais. Dessa forma,
Horsley revê as propostas de Jesus no evangelho de Marcos e nos discursos da Fonte Q,
seguindo uma temática que aborde o “Reino de Deus” como julgamento dos governantes e
renovação de Israel, proposta que se identifica com as correntes anti-imperialistas do século
I d.C. e que rompe com os paradigmas de algumas interpretações modernas que
despolitizam o império romano, a sociedade camponesa e Jesus.
Relacionalidade entre o império romano, movimentos de protesto e Jesus
Ao introduzir o leitor no percurso da busca pelo Jesus Histórico ao longo dos anos Gerd
Theissen1 inicia seu manual com as seguintes palavras: Quanta autonomia intelectual é necessária
para transformar essa figura em objeto de critica histórica! Porem, mais adiante dirá: A diversidade de
imagens de Jesus levanta a suspeita de que os retratos de Jesus sejam, na verdade, auto-retratos de seus
autores.2
Tendo em vista essa complexidade, Horsley3 passará a considerar alguns dos pressupostos
que envolvem a pesquisa em questão, sobretudo naquilo que diz respeito à despolitização
de Jesus, da Galiléia e Judéia, e por fim, despolitização do império romano. Tanto entre os
primeiros bispos da igreja cristã, como Melito de Sardes e Orígenes, por exemplo, como
em algumas introduções ao Novo Testamento contemporâneas, persiste a percepção do
império como meio facilitador no processo de transmissão da mensagem cristã.4
No âmbito geral da busca pelo Jesus Histórico, consideramos que Horsley se situa na
chamada Third Quest, configurando seu “método histórico-relacional” de forma a avaliar até
que ponto as figuras de Jesus então descritas resultam de paradigmas “modernos e
1 Cf. THEISSEN, Gerd & MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
2 Idem, p. 31.
3 HORSLEY, Richard. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.
4 Cf. WENGST, Klaus. Pax romana: pretensão e realidade. Experiências e percepções em Jesus e no cristianismo primitivo.
São Paulo: Paulinas, 1991.
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ocidentais” pautados pelo individualismo, cientificismo e separação entre religião, política e
economia. Para ele, são múltiplos os aspectos claudicantes ao abordar a figura histórica de
Jesus. Mesmo de forma irônica, ele dialoga com o tema da destacada obra de J. D. Crossan
e revela sua pretensão:
(...) imagine um livro chamado Martin Luther King Histórico: Vida de um
Cidadão Norte-Americano Negro da Geórgia, baseado exclusivamente nas
palavras ditas por ele, mas tiradas do contexto dos seus sermões e
discursos proferidos em comícios no movimento pelos direitos civis. 5
Continuando, dirá o que compreende como “abordagem adequada”:
Procuramos compreender como, (1) nas condições históricas particulares
que haviam criado uma crise para os antigos povos da Judéia e da Galiléia
(2) e partindo da tradição cultural israelita na qual esses povos estavam
inseridos, (3) Jesus emergiu como líder (4) assumindo/adaptando um
papel social especifico (5) em interação com pessoas particulares que
responderam formando um movimento que se tornou historicamente
significativo.6
Horsley pondera que a interpretação da figura de Jesus segundo os paradigmas de um
mestre religioso inócuo se deve principalmente à “imprecisão” por parte das pesquisas
sobre as condições históricas particulares que envolviam as ações de Jesus. Dito com suas
palavras, isso significa “fracasso em pesquisar, nos termos mais precisos possíveis, as
condições históricas particulares em que Jesus agia”.7 Fora o tom carregado de racionalismo
que tal expressão traz, vale a ressalva para uma análise mais abrangente do contexto social
do qual emerge o cristianismo primitivo e a figura de Jesus.
Houve críticos que o tomaram como que valorizando demasiadamente o ambiente
revolucionário na Galiléia de Jesus. Mas o fato é que em Jesus e o Império, Horsley acaba
sistematizando um quadro relacional entre o império romano, movimentos de protestos e
Jesus em sua prática e proposta. Essa relacionalidade descrita por Horsley confirma, em
certo sentido, o que A. J. Overman8 descreve como fragmentação e facciosidade ao
dissertar sobre a natureza sectária do judaísmo no período de 165 a.C. a 100 d.C., deixando
5 O que se segue é, segundo Horsley, uma reverencia a proeminência do livro de Crossan. Cf. CROSSAN, J.
Dominic. O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu do Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago 1994; HORSLEY, p.
62.
6 HORSLEY, p. 63.
7 Idem, p. 19.
8 OVERMAN, Andrew J. O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo: o mundo social da comunidade de Mateus. São
Paulo: Edições Loyola, 1997 (Col. Bíblica Loyola – 21), p. 21.
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evidente que os fatores de agitações e divisões sociais eclodem a partir do duro tratamento
recebido de dominadores estrangeiros e governantes locais.
Compreender as práticas e efeitos do imperialismo romano se faz necessário porque a
atuação política de Roma sobre a região, direta ou indiretamente através de seus reis
clientes, fora um fator determinante nas condições de vida da Galiléia e da Judéia,
sobretudo entre os camponeses, aonde Horsley identifica Jesus e seu movimento, e ainda,
um entre outros movimentos que se concretizaram a partir de uma perspectiva
revolucionária, contrária à ordem imposta pelos romanos.
O império romano iniciou sua ação na região da Palestina décadas antes de Jesus. Invadiu a
região queimando aldeias e cidades, escravizando os sadios e eliminando os incapazes.
Como confirma Overman9, a postura romana nem sempre era a de manter um governo
direto sobre as regiões conquistadas. Portanto, é um período em que os comandantes
militares iniciam um processo comum de manter em regiões conquistadas “reis clientes”
tirados da própria população local. Em 40 a.C., o jovem Herodes é escolhido como rei. De
37 a 4 a.C., ele controla o povo com extremo requinte de crueldade, não permitindo
nenhum tipo de hostilidade e exigindo as mais variadas formas de lealdade à sua
administração. Quanto ao tributo que cobrava, basicamente era exigido a fim de custear as
numerosas construções em estilo helênico e de agradar a Roma com mimos diversos. Ao
findar de seu reinado, o povo estava economicamente “exausto”. Essa pesada carga de
tributos torna-se, para Horsley, um dos principais fatores para a organização e revolta
camponesas, que embora tenha sido policiada e reprimida durante todo o reinado de
Herodes, com sua morte, em 4 a.C., explode em descontentamento de forma abrupta,
sendo contida apenas através da intervenção direta dos romanos.
Com a divisão do reino, Herodes Antipas (4 a.C. – 39 d.C) é estabelecido como tetrarca das
regiões da Galiléia e da Peréia. Herodes Arquelau recebe o governo da Judéia e Samaria,
mas 9 anos depois é deposto e a região passa a ser governada pelos romanos. Este é o
contexto imediato de Jesus. É um período de revoltas e protestos cada vez maiores. Como
cita Horsley em um de seus livros mais conhecido entre o público brasileiro, e no qual mais
desenvolveu o processo de relações entre a dominação estrangeira e os movimentos
populares de protestos,
9 Idem, p. 41.
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todo o período do governo romano direto de 6 a 66 d.C. foi marcado por
um descontentamento generalizado e periódica turbulência na sociedade
judaica palestinense. Este tempo é de especial interesse para os cristãos
porque forma o contexto da vida e da atividade de Jesus, e para os Judeus
porque constitui o prelúdio imediato da formação do Judaísmo rabínico.10
Um exemplo que ajuda a ilustrar o descontentamento aqui tratado ocorre após a morte de
Herodes. O povo clamou a Arquelau pedindo alivio dos pesados impostos e libertação de
alguns prisioneiros. Ele, que acabara de reivindicar o trono de seu pai, aparentemente ouviu
o clamor. No entanto, as exigências cresceram e, querendo demonstrar sua força para
silenciá-las, acabou apedrejado junto de sua corte militar. A resposta foi imediata, posto que
lançou todo seu exercito contra o povo. Nos registros de Josefo, 3.000 pessoas morreram
em conseqüência disso.
Arquelao comprendió que su poder estabala em peligro, si no lograba
reprimir los excesos de la multitud. Envio a todos sus soldados y a la
caballeria, esta ultima para impedir que los que se encontraban afuera
acudieran a ayudar a los que estaban en el templo y para que fuesen
detenidos los persequidos por los soldados. Es así como fueron muertos
por la cabalaria cerca de tres mil hombres.11
Sob o governo dos romanos nos sobram exemplos de como eles poderiam ser cruéis; ainda
através dos relatos de Josefo encontramos vários deles. Um dos eventos mais conhecidos
acontece sob o governo de Cumano XLVIII – 52 d.C., quando ao celebrar a páscoa sob a
supervisão atenta dos romanos, “un soldado descubrió su sexo y lo mostro a la gente. Los
que vieron se irritaron, y dijeron que no eran ellos los insultados, sino Dios”.12 O povo
ficou enfurecido e pediu a Cumano que castigasse o soldado. Ao contrário do que eles
queriam, a reação do governador foi outra e mais de 25.000 morrem neste episódio.
Cumano ordeno a todas las tropas que, tomando las armas, se
concentraran en la fortaleza Antonia (...). La multitud a la vista de los
soldados, aterrorizada, se apresuro a huir, como las salidas eran estrechas
y creían que los enemigos los perseguía, muchos de ellos perecieron en
estos lugares angostos. Hugo veinticinco mil muertos em aquel tumulto.13
10 HORSLEY, Richard. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995,
p. 47.
11 JOSEFO, Flavio. Antiguedades Judías 18.9.
12 JOSEFO, AJ 20.5.
13 Idem.
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Os romanos não tinham o mínimo de pudor ao afirmar sua pretensiosa superioridade
diante de outros povos e desprezar as demais culturas, incluindo, de certo modo, os gregos.
Sobre os judeus – Cícero e Lívio, por exemplo – grandes oradores romanos os
consideravam “escravos por natureza”.14
Para eles, era motivo de orgulho sujeitar povos “exóticos” e distantes. Alguns louvavam o
império dizendo que suas fronteiras alcançaram os limites da terra. O controle de povos
considerados menos “civilizados” era mantido pela violência. Jesus foi levado à morte por
execução na cruz, pela força de ocupação romana. Sua morte significava paz ao império.
Uma paz manchada de sangue.
O conceito de paz para os romanos era solidificado pelas vitórias. O aspecto militar estava
em primeiro lugar. É uma paz querida politicamente pelo imperador e seus funcionários
mais altos, estabelecida e garantida militarmente pela intervenção das legiões. Os romanos
glorificavam a conquista e a vitória. Criavam verdadeiros desfiles para expor seu poder
militar, bem como para humilhar os conquistados e mostrar seus despojos. A glória da
vitória era o horror dos vencidos.
Na verdade, toda a tradição e modo de ser dos romanos consistiam em manter sua
segurança em primeiro lugar. Para isso, conquistavam com poder e exigiam ou extraiam
Fides/pistis = lealdade, submissão e respeito. Deixar de vingar uma derrota ou punir uma revolta
com violência seria um convite à ruína. Crucificações, chacinas e escravidão, massacres de
cidades e extermínios de povos inteiros eram tentativas intencionais de aterrorizar os povos
conquistados.
A cruz era uma forma terrível de tortura e humilhação, basicamente uma maneira dolorosa
de execução aplicada a escravos arrogantes e provincianos rebeldes. As vitimas não eram
enterradas, sendo deixadas simplesmente nas cruzes como carniça para animais selvagens e
aves de rapina.
Forçar os povos conquistados a reverenciar e adorar os estandartes do exército militar
também fazia parte das muitas maneiras de humilhação. Temos o exemplo de Pilatos, um
governador extremamente arrogante e insensível. Durante uma noite, ele introduziu as
14 Sobre este aspecto, ver o clássico estudo de Klaus Wengst, Pax Romana...
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escondidas em Jerusalém imagens de César conhecidas como estandartes. Quando o povo
se deparou com aquilo,
Se dirigió a Cesárea en gran número y pidió a Pilatos durante muchos días
que trasladara las imágenes a outro lugar. El se negó, diciendo que seria
ofender al César; pero puesto que no cesaban en su pedido, el día sexto,
después de armar ocultamente a sus soldados, subió al tribunal,
establecido en el estadio, para disimular al ejército oculto. En vista de que
los Judíos insistían en su pedido, dió una señal para que los soldados los
rodearan; y los amenazó con la muerte, si no regresaban tranquilamente a
sus casas. Pero ellos se echaron al suelo y descubrieron sus gargantas,
diciendo que preferían antes morir que admitir algo en contra de sus
sabias leyes. Pilatos, admirado de su firmeza y constancia en la
observancia de la ley, ordeno que de inmediato las imágenes fueran
transferidas de Jerusalén a Cesárea.15
Essas são formas da população, de modo geral, demonstrar sua insatisfação com a
condição humilhante que os governadores estrangeiros ou locais lhes destinavam.
Humilhações que incluíam as diversas formas do viver, ou seja, expressão religiosa e
liberdade político-econômica que, de modo diferenciado da cultura moderna e ocidental,
faziam parte de um mesmo todo na Palestina de Jesus.
Outro ponto fundamental inclui a maneira de imperadores e comandantes militares
crescerem em arrogância e fortuna à custa das regiões conquistadas. Reis e sacerdotes
destinados por eles também seguiam o mesmo exemplo – uma espiral crescente de
corrupção e ganância mantida basicamente pela população camponesa extorquida através
de impostos e outros tributos. Para termos uma noção da arrecadação anual de alimentos
destinados à capital do império e de como os camponeses eram forçados a produzir para
outrem, citamos Horsley mais uma vez:
No nível mais fundamental, o sistema imperial precisava prover as massas
urbanas de Roma (e de outras metrópoles) de víveres (...). O total de
importações de trigos apenas para Roma estava entre 200.000 e 400.000
toneladas anuais.16
Também a concepção romana da guerra revela o quadro nefasto criado por sua política
imperial. Isso foi muito bem descrito por Klaus Wengst em seu estudo sobre a Pax
15 JOSEFO, AJ 18.3.
16 HORSLEY, p. 31.
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romana. 17 Neste estudo, o autor soube revelar que a primeira pretensão romana ao dominar
um povo consistia em lhe expropriar toda sua riqueza e produção, a saber, “fazia de acordo
com o direito do vencedor”.18 O governo romano saqueava e explorava continuamente,
como se isto lhe coubesse por direito.
Formas de banditismo social emergem quando os camponeses são explorados por seus
governantes e pelos grandes proprietários de terras, o que ocorria de forma desenfreada
durante o domínio romano. Predominantemente, eram uma maneira do meio rural
protestar. Baseando-se em suas tradições, aspiravam uma outra forma de construir a
sociedade. No contexto imediato de Jesus esse comportamento era habitual, como já
reiteramos nos exemplos acima.
Compreender as freqüentes resistências do contexto palestino demonstra que a figura de
Jesus não fora tão rara e também nos faz perceber “formas sociais muito sugestivas por
suas semelhanças com temas importantes na pregação e prática de Jesus”.19 E, ainda,
revela-nos um ambiente altamente politizado, repleto de tumultos, protestos e revoltas
(abertas e ocultas).
É a partir desse quadro contextual que Horsley observará os inúmeros efeitos das práticas
imperiais como um pano de fundo para as futuras considerações e base inequívoca para
relacionar o surgimento dos movimentos de protestos e da proposta de Jesus. De acordo
com o autor, as tradições israelitas gravadas na memória do povo instigavam cada vez mais
o desejo por uma construção social moldada pelas diretrizes da aliança mosaica. Ainda que
este seja um ponto complexo e não muito desenvolvido pelo autor em Jesus e o Império,
Horsley parece ter neste substrato cultural uma pedra de toque para o ânimo revolucionário
que permeia a Galiléia e a Judéia desse período.
Horsley revê as propostas de Jesus no Evangelho de Marcos e nos discursos da Fonte Q,
seguindo uma temática que aborda o “Reino de Deus” como julgamento dos governantes e
renovação de Israel. Segundo ele, Marcos concentra-se mais nas curas e exorcismos como
parte do programa de renovação do povo, enquanto os discursos de Q relacionam o
julgamento divino com a vinda do reino de Deus. São duas partes de um mesmo todo.
17 WENGST, Pax Romana...
18 Idem, p. 46.
19 Ibid., p. 19.
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Renovação de Israel como realização do reino de Deus é julgamento dos governantes
opressores e renovação profética do povo. Para Horsley isto é “uma adaptação particular
de um padrão comum profundamente arraigado na cultura israelita e ainda presente nos
tempos romanos”.20 Este padrão, comparado com tradições escribais, por exemplo, revela
que Jesus seguiu uma perspectiva camponesa e estava muito mais em sintonia com as
correntes anti-imperialistas que persistiam em suas lutas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os movimentos políticos e religiosos do contexto analisado não poderiam ser de forma
alguma absolutizados ou percebidos de maneira reducionista, como se fosse possível
simplificar o ambiente social de Jesus e desconsiderar a diversidade do mundo antigo, em
especial, a palestina do século I. Estes pressupostos envolvem analisar as relações que os
movimentos de protesto à ordem imperial mantiveram com os representantes do império e
com Jesus. Como em Horsley,
O contexto palestino imediato da missão de Jesus era altamente
politizado, entremeado periodicamente de tumultos e protestos,
movimentos e revoltas abertas contra a ordem imperial imposta pelos
romanos. Querer entender a missão de Jesus sem uma consciência da
freqüência e intensa revolta à “nova ordem mundial” entre galileus e
judeus seria como tentar compreender um movimento renovador
islâmico contemporâneo no Oriente Médio sem consciência do
descontentamento generalizado e de uma diversidade de movimentos,
até de organizações terroristas.21
Como personagem histórico, Jesus possivelmente fora influenciado por seu ambiente
social, criando relações com os grupos políticos e religiosos, e estabelecendo uma proposta
para a situação que enfrentava. Sendo assim, relacionar estes tópicos se torna fundamental
para a pesquisa de sua figura e contexto.
20 HORSLEY, Jesus e o império..., p. 88.
21 Idem, p. 19.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHEVITARESE, André Leonardo; CORNELLI, Gabriele; SELVATICI, Mônica (orgs.).
Jesus de Nazaré: uma outra historia. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2006.
CROSSAN, J. Dominic. O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu do Mediterrâneo. Rio de
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GOODMAN, Martin. A classe dirigente da Judéia: as origens da revolta judaica contra Roma, 66 –
70 d.C. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
HORSLEY, Richard. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo:
Paulus, 2004.
________________. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São
Paulo: Paulus, 1995.
JOSEFO, Flavio. Antiguedades Judías.
OVERMAN, Andrew J. O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo: o mundo social da
comunidade de Mateus. São Paulo: Edições Loyola, 1997 (Col. Bíblica Loyola – 21).
THEISSEN, Gerd & MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Edições
Loyola, 2002.
WENGST, Klaus. Pax romana: pretensão e realidade: experiências e percepções em Jesus e no
cristianismo primitivo. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.

COPYRIGHT DEVIDO AO AUTOR DO TEXTO.

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