segunda-feira, 14 de junho de 2010

1118 - ORIGEM DAS UNIVERSIDADES

Menu Content/Inhalt
HomeArtigosNewsletterFale Conosco
Home Artigos A Universidade em Transformação Associação SophiaHome
Fundamentos
Histórico
Modelo de Governança
Instituições Parceiras
Associados
Random Image

A Universidade em Transformação
Em 1986 realizou-se em Veneza o Primeiro Fórum de Ciência e Cultura da UNESCO focalizando o encontro das ciências e das tradições. Pensadores de várias especialidades e vindos de várias partes do mundo debateram o estado do conhecimento face à efetiva globalização do planeta e divulgaram um documento que ficou conhecido como a "Declaração de Veneza". Parte I
Preâmbulo.
Em 1986 realizou-se em Veneza o Primeiro Fórum de Ciência e Cultura da UNESCO focalizando o encontro das ciências e das tradições. Pensadores de várias especialidades e vindos de várias partes do mundo debateram o estado do conhecimento face à efetiva globalização do planeta e divulgaram um documento que ficou conhecido como a "Declaração de Veneza". Esse foi a primeira de uma série de reuniões convocadas pela UNESCO sob a denominação geral de Fórum de Ciência e Cultura. Todos os povos pensados como a mesma espécie humana e todas as culturas pensadas como integrando uma civilização planetária exigem um novo pensar e um novo relacionamento de saberes e de fazeres que muitas vezes se manifestam diferentemente. Se na era colonial havia entre saberes e fazeres uma relação de prepotência e de marginalização e mesmo rejeição de formas de conhecimento próprias dos povos conquistados, as novas relações internacionais e intenção de recuperar a dignidade cultural de todos os povos, manifesta na Declaração dos Direitos do Homem, exige o diálogo intercultural e interdisciplinar como passos essenciais para a humanidade transcultural e o conhecimento transdisciplinar. A transculturalidade e a transdisciplinaridade possibilitam a sobrevivência, com dignidade, da espécie humana. Mas elas necessitam um ambiente para prosperarem. Que ambiente será esse?


As lições da história. Desde os tempos pré-históricos tem-se notado que os homens buscam um espaço para o intercâmbio de idéias e a difusão do conhecimento acumulado. É curiosa a descrição que o arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio faz, no século I a.C., da origem da conversação: "Os homens de antigamente eram nascidos como bestas selvagens, nas florestas, cavernas, e grotas, e viviam selvagemente. Com o passar do tempo, as árvores densas em um certo lugar, arrancadas por tempestades e ventos, e esfregando seus galhos um contra o outro, pegaram fogo, e assim os habitantes do lugar fugiram, aterrorizados pelas chamas furiosas. Depois que ela se acalmou, eles se aproximaram, e observando que se sentiam muito confortáveis estando frente ao fogo, acrescentaram a ele galhos e, assim avivado, ele atraiu outras pessoas para seu redor, mostrando quanto conforto elas poderiam obter dele. Nesse encontro dos homens, num tempo em que os sons emitidos eram puramente individuais, dos hábitos diários eles se fixaram em palavras articuladas à medida que elas iam chegando; então, indicando por nome as coisas de uso comum, o resultado foi que deste modo puramente aleatório eles começaram a falar, e assim se originou a conversação de um com o outro. Portanto, foi a descoberta do fogo que originalmente deu origem ao encontro dos homens, às assembléias deliberativas, e ao relacionamento social."


Ao ar livre ou nas cavernas, nas conversas ao pé do fogo, nas famílias e nas assembléias, nas academias e nas escolas, inicia-se a organização e a difusão de conhecimentos que foram gerados por cada indivíduo através do processamento de informações recebidas da realidade combinadas com informações prévias armazenadas na memória. Como se dá esse processamento? Ninguém sabe.
Essa é um das questões que vem sendo abordada com grande intensidade por pesquisadores de várias especialidades. Embora haja concordância que a linguagem teve um papel fundamental no desenvolvimento das capacidades cognitivas do homem, o silêncio tem se revelado uma importante estratégia na elaboração do conhecimento. Particularmente, o silêncio em companhia de outros. Não vou abordar esse aspecto da elaboração do conhecimento, mas falar dos ambientes reconhecidos como academias e variantes. E vou me restringir à tradição que se originou das civilizações em torno do Mediterrâneo e que serviram de modelo para os sistemas educacionais de todo o planeta nos dias de hoje. Nossa história começa na antigüidade grega e romana. Platão transmitia suas idéias num local onde teria sido sepultado o herói mitológico Academo. Etimologicamente, seu nome vem de héka (=longe, distante) e dêmos(=povo). Academo é "o que age independentemente do povo, como um todo-poderoso. Hoje nos referimos genericamente a academias da Grécia Antiga como os locais em que filósofos transmitiam seus conhecimentos. Essa prática prossegue no Império Romano. É inegável o caráter elitista desses espaços. Com a adoção do Cristianismo pelo Império Romano, no século IV, criou-se um espaço, igualmente elitista, para as reflexões filosóficas. Esses espaços eram chamados mosteiros, palavra derivada do grego cujo significado é viver só, isolado. O objetivo dos mosteiros era a construção da doutrina cristã e a sua fundamentação filosófica. O conhecimento era construído com essa finalidade.


O imaginário sobre o qual repousavam essas reflexões era extremamente rico. Esse espaço privilegiado era subordinado à Igreja. Obviamente, era necessário depurar as fontes sobre as quais estava sendo construído o conhecimento cristão. Nessa depuração excluiu-se todo o complexo filosófico grego. Os monges detinham esse conhecimento e sua difusão se fazia através de filtros convenientes à Igreja. Apesar disso, ou talvez justamente por isso, a Idade Média foi uma época de grande criatividade. Sem os instrumentos intelectuais que haviam sido construídos pelos filósofos gregos, os monges criaram o novo. O imaginário cristão, alimentado pelo encontro com os pagãos, praticamente não tinha limites. Sabe-se pouco do que se passava com a intelectualidade de outras civilizações, quais eram os ambientes privilegiados para essas reflexões e para a geração, a organização e a difusão do conhecimento. São interessantíssimas os espaços para as argumentações na China. Na transição do 1° para o 2° milênio organizam-se na Europa as cruzadas.


Como resultado dessa importante empresa, os monges travam contato com outro conhecimento, essencialmente com a filosofia grega traduzida, aprimorada e elaborada pela intelectualidade muçulmana. Era evidente a possibilidade de reconciliação da filosofia cristã com a filosofia grega. Para isso tornava-se necessário o encontro "cauteloso" dos intelectuais cristãos, na sua quase totalidade monges, com intelectuais hereges. A busca de um espaço no qual hereges poderiam professar seu conhecimento para benefício dos monges, sem macular o ambiente sagrado e restrito dos mosteiros, deu origem às universidades, cuja denominação vem do latim universitas, que significa universalidade, generalidade, totalidade. As primeiras universidades, Bologna e Paris, vão surgindo. Pouco depois a Igreja assume o controle desses espaços de reflexão sobre o todo. Outras universidades vão surgindo. Com Thomás de Aquino (1225-1274) se completa um período cujo maior esforço era construir uma teologia cristã, com a publicação da obra maior da Idade Média, que é a Summa Theologica. A partir das reflexões de Aristóteles, reconduzido à academia graças a Avicena (980-1037), Averróes (1126-1198) e outros pensadores islâmicos, explicar o movimento torna-se o foco das universidades medievais. O próprio Thomás de Aquino dedicou-se a isso. Roger Bacon (ca 1219-1292} ao afirmar que "nada de muita importância pode ser conhecido das ciências sem matemática" abre as possibilidades para a fundamental contribuição dos monges cientistas.


A afirmação de Aristóteles que quando mais pesado o corpo, maior sua velocidade de queda passou por contestações. São importantíssimos os estudos de Thomas Bradwardine (ca 1290-26/08/1349) e de seus colegas no Merton College (William Heytesbury, Richard Swineshead, John Dumbleton et al). A Lei de Bradwardine nos fala da relação entre força e resistência à velocidade na produção do movimento: F2/R2={F1/R1)V2/V1. Segundo Anneliese Maier, "Bradwardine queria ter escrito um Philosophia naturalis principia mathematica do seu século". Da Escola de Merton saem alguns conceitos fundamentais: movimento uniforme: quando o corpo percorre distâncias iguais em intervalos de tempo iguais; aceleração uniforme: quando um corpo adquire iguais aumentos de velocidade em intervalos de tempo iguais, grandes ou pequenos; Teorema da velocidade média:
Seja S espaço percorrido Vf velocidade final, t tempo de aceleração. Então S = _ Vf .t . Como a velocidade é uniformente acelerada, Vf = a.t portanto S = _ a.t2. Esses resultados abriram caminho para as importantes observações do português Álvaro Thomas (1509) na Universidade de Coimbra, que mais de cem anos depois seriam retomadas por Galileo Galilei no Discurso sobre Duas Novas Ciências (1638): todos os corpos de qualquer dimensão e composição material caem com igual velocidade no vácuo. Segundo o medievalista E. Grant, a grande importância de Galileo foi reunir todos os conceitos, definições, teoremas e corolários e organizá-los num todo lógico e ordenado que aplicou ao movimento de corpos. Estava assim preparado o terreno para a busca de explicações para o mais fundamental dos fenômenos, o movimento. Incluídos nessas reflexões estavam as noções de espaço e tempo.


Coube a Isaac NEWTON (1642-1726) sintetizar essas idéias e escrever, enquanto na Universidade de Cambridge, a obra que marca o início da ciência moderna, Philosophia naturalis principia mathematica (1687). Surgiu assim aquilo que passou a ser reconhecido como o paradigma científico, baseado no princípio de causa e efeito regulados por leis universais. Esse novo pensar foi o resultado de cerca de 400 anos de concentração do pensamento universitário na busca de entender e explicar o fenômeno do movimento. Cabe observar que o mundo é muito maior que a Europa e os seus prolongamentos em outras terras. O que se passava no pensar de outras civilizações? Como se desenvolveram os ambientes de reflexão e desenvolvimento de técnicas e artes de explicar, de conhecer, os saberes e fazeres em diferentes ambientes culturais? Sabemos muito pouco sobre o que seriam os equivalentes a universidades e mesmo a sistemas escolares em outras culturas civilizações.


No seu belo texto sobre "A Universidade de Ontem e de Hoje", publicado em 1964, o grande educador brasileiro Anísio Teixeira comenta sobre as comunidades de mestres e estudantes das universidades, que mantinham o mesmo estilo de isolamento e distanciamento que prevalecia nas academias e nos mosteiros. Mas Teixeira nota que "essa atitude de um puro isolamento de algum modo se corrigia com a formação do profissional, em pequeníssimo grau com a formação do clero, um pouco mais com a formação do bacharel de direito, substancialmente com a formação do médico e, muito depois, em grau mais acentuado, com a formação do engenheiro. Atentemos, contudo, que essa formação profissional não constituía o coração da universidade, mas sua extensão ou desenvolvimento, pois, onde se guardou a tradição da cultura geral, a formação universitária era a da cultura clássica e somente mais tarde relativa à ciência experimental. Mesmo depois que a universidade aceitou a ciência experimental, nem por isso se rendeu à pesquisa da ciência aplicada e se deixou envolver nos negócios do mundo, mas insistiu em acentuar o caráter "desinteressado" de sua busca e os objetivos "nobres" do saber pelo saber, do saber como fim em si mesmo." Enquanto a atitude do saber desinteressado de qualquer aplicabilidade prevalecia nas universidades, a Europa passava por um intenso processo de urbanização, marcado sobretudo pela expansão do cristianismo no início do milênio, quando a catedral tornou-se o centro urbano da região. Com isso a arquitetura e as profissões associadas, as artes, o comércio, prosperaram. As guildas, que poderiam ser comparadas ao que hoje chamamos universidades alternativas, se encarregavam de avançar e transmitir esse saber.


O caso das ciências médicas teve características muito especiais, sobretudo no final da Idade Média e na entrada do Renascimento. A intensificação de visitas a outras terras e o grande fluxo migratório causado pelas urbanização mudou o cenário da saúde. Epidemias implacáveis, como a peste, se generalizaram. Um grande esforço na área da saúde aproximou a universidade de problemas do cotidiano. O conhecimento médico na Europa era ainda fortemente dominado por Galeno. A absorção dos especialistas de formação islâmica, provenientes de Portugal e da Espanha, foi notável nas universidades européias durante os séculos XV e XVI. Da mesma maneira, grandes obras públicas, a urbanização e a engenharia em geral, a metalurgia e a própria indústria de armamentos iriam desafiar os acadêmicos e estimula-los a uma aproximação com a realidade. O paradigma científico incorporou-se ao pensamento europeu, tanto nos ambientes de reflexão teórica, basicamente interessados no saber pelo saber, como no cotidiano profissional. Procedeu-se a identificação do ser humano com o ser racional e do ser racional com o ser científico. As dimensões mística, sensorial, intuitiva e emocional do conhecer foram subordinadas a dimensão racional. O comportamento individual e social foi subordinado ao paradigma que se proclamou ser a essência do ser humano. A universidade e as revoluções do mundo moderno. A universidade, encastelada nos resultados da revolução científica, assistiu, sem se aperceber, a chegada das três grandes revoluções que marcaram novas direções da humanidade: a revolução americana [novo conceito de poder civil e governança], a revolução francesa [novos ideais para a humanidade] e a revolução industrial [novos meios de produção e de trabalho]. Esteve ausente de todas mas logo procurou se modernizar. Procurando responder às grandes transformações resultantes dessas revoluções, particularmente à transformação urbana e militar, criam-se na França modelos alternativos de educação superior, as Grandes Écoles (particularmente a École Nationale de Ponts et Chaussées, em 1747, a Écoles di Génie de Mezières, em 1749, a École Militaire de Paris, em 1753 e a École Polytéchnique de Paris, em 1794. As universidades continuam no seu estilo próprio. O modelo francês das Grandes Écoles foi adotado no Brasil após a chegada da família real, em 1808, e perdurou até o início da década de trinta.


Em meados do século XIX, as universidades iniciam um processo de modernização. A Universidade de Manchester é fundada em 1851 respondendo ao novo momento tecnológico. A Universidade de Berlim, renovada por proposta de Alexander von Humboldt, é moderna na organização e estabelece o sistema de departamentos e a carreira acadêmica. Busca um saber atual e moderno. Mas sempre predomina o saber pelo saber. Lernfreiheit (liberdade de aprender) e Lehrfreiheit (liberdade de ensinar), já esboçado na universidade medieval, exprime o caráter de completa autonomia no saber e no fazer da universidade. A proposta de John Henry Newman para a Universidade de Dublin, que não foi posta em prática, excluía a pesquisa. Era inteiramente devotada ao ensino, mas não visava qualquer fim utilitário. No meu entender, a inovação mais importante deu-se nos Estados Unidos. A Lei Morrill (1962) propôs um outro conceito de educação superior, que via na universidade o centro onde se fazia avançar o conhecimento e se preparavam os recursos humanos para as necessidades mais imediatas do novo país. Assim a universidade se desviava da tradição elitista, abrindo oportunidades de acesso a toda a população. Essa universidade pública, os chamados land-grant colleges, tiveram grande influência no desenvolvimento da agricultura e da mineração, portanto na indústria, dos Estados Unidos. Rapidamente, essas instituições incorporaram o espírito e a organização da Universidade de Berlim, Os irmãos Abraham e Simon Flexner tiveram um papel importantíssimo ao compatibilizar ensino, pesquisa e prestação de serviços como os objetivos solidários da universidade moderna.


A modernização das universidades européias, desde a criação das Grandes Écoles na França até a implantação e subsequente modernização dos Land-Grant Colleges nos Estados Unidos, resultou na universidade de hoje. O mesmo modelo prevalece em praticamente todo o mundo, com os objetivos declarados e solidários de ensino, pesquisa e prestação de serviços. Com esse espírito foi criada, tardiamente, a universidade brasileira, a partir da Universidade de São Paulo (1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935). Na inauguração dos cursos da Universidade do Distrito Federal, em 1935, Anísio Teixeira, nomeado o primeiro reitor da nova universidade, dizia sobre a função das universidades: "A função da universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata somente de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito mais singelas do que universidades. Trata-se de manter uma atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva.


Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente. O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração, o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem. A universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam aprender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, como todas as iniciações, se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação... Cultivar a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido e significado às coisas. A vida humana não é o transcorrer monótono de sua rotina cotidiana; a vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa inquietação de compreender e de aplicar que encontrou afinal a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber e toda a nossa sede de melhorar, é a universidade." Anísio Teixeira denuncia a universidade que se propõe a simples difusão de conhecimentos. Infelizmente, apesar da boa orientação que prevalecia na fundação das primeiras universidades brasileira, a universidade é hoje uma simples estrutura de transmissão de conhecimentos congelados. Essas universidades são fundamentalmente organizadas a partir das disciplinas e os currículos são nada mais que uma multidisciplinaridade. O pouco de pesquisa e de reflexão sobre o novo que se faz nessas universidades, às vezes se aventurando com grande dificuldade na interdisciplinaridade, não inclui os alunos. Eles primeiro devem passar pelo básico! Esse é um dos maiores equívocos na organização das nossas universidades e dos nossos currículos. Criou-se o mito do pré-requisito. E aventurar-se no novo, que caracteriza a pesquisa, parece ser o grande horror acadêmico. A universidade na atualidade, diplomas e avaliações. Esse modelo está se esgotando. Numa análise contundente da empregabilidade na sociedade moderna, a escritora francesa Viviane Forrester se refere à escola dizendo "A diversidade das disciplinas, seus conteúdos, não são postos em questão aqui, ao contrário. Já que o caminho dos empregos se fecha, o ensino poderia pelo menos adotar como meta oferecer a essas gerações marginais uma cultura que desse sentido à sua presença no mundo, à simples presença humana, permitindo-lhes adquirir uma visão geral das possibilidades reservadas aos seres humanos, uma abertura sobre os campos de seus conhecimentos. E, a partir daí, razões de viver, caminhos a abrir, um sentido para seu dinamismo imanente.


Mas, em vez de preparar as novas gerações para um modo de vida que não passaria mais pelo emprego (que se tornou praticamente inacessível), há um esforço contrário para fazê-las entre nesse lugar obstruído que as recusa, tendo como resultado convertê-las em excluídas daquilo que nem sequer existe mais. Em infelizes. ... A tendência, pelo contrário, é considerar que eles não são bem preparados - não diretamente - para entrar em empresas que não querem saber deles, às quais eles não são necessários, mas para as quais se quer 'formá- los', e para nada mais." De fato, o problema da empregabilidade é dominante nas reflexões sobre a universidade. É falado e repetido que quanto mais educação, maior a possibilidade de emprego. Não se nega. Mas que educação? No seu estudo sobre o mercado de trabalho do futuro, Robert B. Reich, Secretário do Trabalho no primeiro mandato de Bill Clinton e professor da Escola de Direito de Harvard, analisa a educação americana e coloca, como um dos maio res obstáculos a uma melhoria da mesma, a crescente dependência nos testes padronizados. Diz que "Algumas pessoas, que se autodenominam 'educadores' sugerem que o currículo padrão deve se tornar ainda mais uniformes em toda a nação e que os testes padronizados deveriam se tornar ainda mais indicadores do que foi despejado nas jovens cabeças uniformes enquanto elas foram sendo movidas ao longo de uma esteira de montagem", uma referência óbvia à escola organizada em classes homogêneas cumprindo um prog rama rígido. A boa educação, em todos os níveis, deve liberar o jovem dessa prática ineficiente e constrangedora. Ineficiente pois não o prepara para o mundo moderno, e constrangedora, pois dá a ele a sensação de estar sempre sob pressão para aceitar aquilo que é evidente que está completamente desatualizado. Os testes padronizados, chamados no Brasil, "provões", testem e premiam o inútil, o desatualizado. Não me refiro apenas aos conteúdos, mas a atitude, totalmente descompassado do mundo moderno. A situação é particularmente grave em matemática. Na Califórnia, estado eminentemente conservador, o resultado dos testes foi desastroso com relação à matemática.


As autoridades do sistema educacional da Califórnia surgiram com propostas que deflagraram a chamada "Math Wars". Educadores Matemáticos e Matemáticos de um lado e autoridades educacionais do outro. As autoridades educacionais da Califórnia encarnaram o retrocesso educacional. Curiosamente, os resultados dos provões de Matemática no Brasil foram desastrosos, e nosso Ministro de Educação está se preparando para visitar a Califórnia a convite de suas autoridades educacionais. Pode-se pensar o novo. No seu livro, Reich fala sobre como vê os empregos do futuro. Identifica três grandes categorias de emprego: serviços de produção rotineira, serviços pessoais e serviços simbólico-analíticos. Prevê uma crescente demanda nesta última categoria. O indivíduo para ter um bom desempenho nessa categoria deverá ter capacidade de abstração, de pensamento sistêmico, de experimentação e de colaboração. Claro, deverá ser capaz de ler e interpretar, escrever e redigir, contar e avaliar, mas apenas isso é insuficiente. Minha proposta da literacia, materacia e tecnoracia responde à necessidade de formação ampla que será necessária para o novo mercado de trabalho que se delineia. A certificação profissional é um outro elemento que interfere com a educação. Não sei situar o momento histórico em que a sociedade atribuiu à universidade a certificação profissional associada ao diploma. Alguns setores não vêm no diploma o equivalente a um certificado profissional. Por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil. Nas universidades européias isso é muito comum. Não há nenhuma razão para confiar educação e certificação profissional à mesma instituição. Na verdade, há uma interferência prejudicial a ambas funções. Uma das piores conseqüências é o reforço que essa dupla função dá aos sistemas nacionais de avaliação e credenciamento e a confusão resultante com qualidade. Efetivamente, um dos graves problemas que vejo na educação é a importação de um conceito de qualidade de produção para a educação. Não se pode confundir o resultado de um processo educacional com a qualidade de um produto, mesmo quando se adotam critérios aparentemente voltados para o comportamento humano.


É interessante lembrar quão fundamental é o conceito de qualidade na importante reflexão que Robert E. Pirsig faz sobre educação no seu livro Zen e a Art e de Manutenção de Motocicletas. Há uma grande ênfase em quantificar qualidade em educação, o que vejo como um absurdo. Sou menos cauteloso sobre isso que Luiz Felippe Perret Serpa, ex-Reitor da Universidade Federal da Bahia. Numa das mais interessantes reflexões que conheço sobre a avaliação das universidades, Serpa diz que "o problema mais urgente é a qualificação da qualidade. Para qualificar a qualidade, entendo, é necessário referenciar cada universidade a uma singularidade, à sua formação histórica e às peculiaridades econômicas, sociais e culturais da região em que se insere. Para qualificar a qualidade, é necessário que cada instituição seja capaz de definir um perfil e um projeto próprios, a partir das potencialidades e dos problemas da região em que está inserida. Para qualificar a qualidade é necessário vivenciar a diferença, e a partir da diferença construir os parâmetros de avaliação de desempenho que se vai utilizar. Se compreendermos que os valores e os parâmetros universais foram produzidos a partir das vivências locais e posteriormente generalizados; se compreendermos que toda vez que submetemos a diferença a um valor geral, teremos como resultado ou uma hierarquização insuperável ou uma homogeneização indesejável; se compreendermos, finalmente, que a diferença só é mensurável dentro dela mesma, estaremos aptos a investir no diagnóstico da instituição e no seu entorno, e a deliberar sobre a definição das políticas, das diretrizes, das metas e das ações compatíveis com a sua especificidade. É esse diagnóstico contextualizado e essa definição de política que produzem o Projeto de Universidade," A universidade e as novas tecnologias. As instituições estão caminhando rapidamente para uma planetarização. As nações terão que subordinar suas decisões e instituições a objetivos maiores e a interesses planetários. Poucas instituições nacionais poderão se identificar como soberanas. Esse talvez seja o efeito mais positivo da globalização dos sistemas econômicos. Um indicador seguro dessa planetarização é o caso Pinochet, atingindo diretamente a instituição jurídica. Igualmente, epidemias, controle ambiental, terrorismo, drogas e inúmeros outros fatos estão sendo tratados por ações subordinadas a legislações supra nacional. A organização social de cada nação está subordinada a uma ordem planetária. E sabemos que a organização social é o grande substrato dos sistemas escolares.


Parafraseando V.V. Raman, do Rochester Institute of Technology, pode-se afirmar que as metas para o novo século devem ser a identificação do que é comum na busca de verdade e sabedoria entre todas as culturas e civilizações do planeta, aprendendo um do outro a corrigir os equívocos, a resistir à tentação de considerar as percepções das nossas tradições como sendo, de algum modo, superior a outras, a reconhecer que nossos ancestrais erraram gravemente em muitas decisões e ações, e a buscar em comum soluções para os muitos problemas que a humanidade enfrenta num espírito de harmonia e dedicação coletiva. Essa é, em outras palavras, a ética maior que tenho proposto:


• respeito pelo outro com todas as diferenças;
• solidariedade com o outro na satisfação de sua busca de sobrevivência e de transcendência;
• cooperação com o outro na preservação do bem e do patrimônio comum.


Para atingir esses objetivos maiores, a comunicação ampla será fundamental e a utilização de recursos e experiências acumuladas por toda a humanidade no curso de sua história será indispensável. Na história da humanidade como um todo se notam os acertos e os equívocos apontados que levaram ao estado de iniqüidade, de agressão contra a natureza, de prepotência, de arrogância que se notam entre grupos e agremiações, comunidades, nações e mesmo blocos. Esses acertos e equívocos devem ser expostos e conhecidos por todos. As barreiras construídas pelas histórias nacionais justamente para encobrir os equívocos e destacar os acertos é o primeiro obstáculo a ser superado. Experiências sendo conduzidas devem ser compartilhadas, bem como propostas de explicações para os incontáveis fatos e fenômenos que ainda desafiam o conhecimento. As novas possibilidades para um mundo feliz só se concretizarão como resultado de um esforço coletivo. O que sabemos é apenas uma fração do que está para ser descoberto. Exemplos de que esse esforço coletivo é possível são o Projeto Genoma Humano, a Estação Espacial Internacional e a Internet. Usei justamente esses exemplos pois neles estão focalizadas as críticas e os temores da era da globalização.


Disponível em www.kanslis.lu.se/latinam/UVLA/trans1.htm (06.08.02)

[Voltar] Instituto SophiaQuem Somos
Atividades Realizadas
Novos Projetos
Atividades em AndamentoI Fórum de Meditação
Formação de Consultores
Pedagogia da Arte da Paz 2010
Pedagogia Waldorf
Psicologia Clínica e Antroposofia
DownloadsFórum de Orientação Sobre Pós-Graduação em Antroposofia
© 2010 Associação SophiaWebdesign: QuartaDesign


COPYRIGHT: ASSOCIAÇÃO SOPHIAWEBDESIGN: QUARTA DESIGN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas