domingo, 13 de junho de 2010

1082 - ORIGEM DAS UNIVERSIDADES

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ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
(Versão em Português do original em Esperanto)
© Copyright 1997 Evaldo Pauli


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ESCOLÁSTICA DE OURO

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APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO. 8171y003.


4. No quadro geral da Enciclopédia Simpozio, Escolástica de Ouro é um texto da Enciclopédia subordinada 2 - história da filosofia. Como estudo histórico sobre a escolástica, se fixa no século 13, quando ocorreu o estágio de ouro desta filosofia.



5. O texto presente se encontra em forma hyper e dimensão mega.

Em função à forma híper, o texto Escolástica de Ouro reúne em um tratado único os artigos atômicos que sob outra forma tratam do mesmo assunto.

Respectivamente, em função à dimensão mega, o texto Escolástica de Ouro desenvolve em tamanho maior, o tema que, em tamanho menor, se encontra na Microhistória da filosofia (vd2216y234).

Considere-se ainda que Escolástica de Ouro integra o conjunto denominado Mega história da filosofia.



6. A numeração de Escolástica de Ouro apresenta 8 dígitos, organizados em dois campos, divididos pela letra y (característica dos textos híper). As cifras do primeiro campo conectam o tratado com o artigo ESCOLÁSTICA, de igual número, da Enciclopédia subordinada 1 – de filosofia. As cifras do segundo campo operam como números divisionários, e que podem funcionar em separado nas citações internas ao presente texto.







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INTRODUÇÃO AO SÉC. 13, COM VISTAS À ESCOLÁSTICA. 8171y007.

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8. Fatores externos. O apogeu da escolástica foi determinado por fatores externos ao processo filosófico em si mesmo, e que importa examinar como introdução ao seu estudo. Dali resulta a seguinte disposição didática:
A Igreja e os Estados, numa Europa em evolução (vd 8171y009);
Contato do Ocidente com árabes e gregos (vd 8171y018);
Tradução ao latim de obras árabes e gregas, e tradutores (vd 8171y022);
Criação das universidades (vd 8171y035).

Ainda que externos, os fatores indicados influíram decisivamente sobre a fisionomia da escolástica do século 13, a qual se desenvolveu internamente com o crescente predomínio dos pontos de vista aristotélicos sobre os neoplatônicos, estes até então absolutamente dominantes.




§1. Situação da Igreja e dos Estados. 8171y009.


10. Efetivamente, o século 13 foi o melhor tempo da Idade Média em que a Igreja e o Estado alcançam adiantado desenvolvimento.

Nota-se sobretudo a projeção do pontificado romano, cuja autoridade contribuiu para a união dos povos cristãos, ainda que se possam recriminar como excessivas suas intromissões na política e na obstrução da liberdade de pensamento. Inocêncio III foi o grande papa do século; eleito e 1198, com apenas 37 anos, suas virtudes, saber e dotes administrativos, representam um exórdio promissor para o novo século. Quando falecia em 1216, as universidades de Paris e Bolonha, já se estavam estabelecendo. Restaurado também em Roma o poder pontifício, o Senado Romano e o Prefeito da cidade passaram a prestar homenagem ao Papa.



11. Os excessos do poder da Igreja medieval se manifestaram especialmente pela censura aplicada ao ensino universitário e pela Inquisição, que tinha como pena máxima a fogueira. Além disto, a Igreja foi inspiradora da guerra religiosa levada a efeito pelas Cruzadas.

Ao mesmo tempo que crescera o prestigio continental da Igreja, involuiam contudo socialmente os Estados Pontifícios. Por causa deles a Itália amargou mil anos de desunião política e sua consequências, para se reunificar apenas em 1870.



12. Evolutiva era, sobretudo, a situação vivida, neste século 13, na França, sob o rei São Luiz (1226-1270).

O modelo dos reis medievais cingiu a coroa aos 9 anos, sob a tutela da mãe. Fez prosperar as ciências, as artes, a literatura, o comércio. Também foi quem propriamente criou a Sorbonne (1257) junto à universidade de Paris. Foi contemporâneo do grande São Tomás de Aquino, de quem se diz ter comparecido por vezes aos seus almoços.

Bateu os ingleses invasores. No seu reinado reprimiu as desordens do feudalismo e as guerras privadas.

Interferiu em assuntos religiosos. Castigou severamente o duelo e a blasfêmia.

No curso do reinado de São Luís se promoveu a cruel cruzada contras os albigenses e cátaros no sul da França.

Admitiu a primeira vez no seu conselho os burgueses, que haveriam de formar o Terceiro Estado.

O rei São Luís morreu em 1270, vitimado pela peste, no curso da 7-a. Cruzada, - esta contra Tunis, Norte da África, onde dava combate aos árabes.



13. Na Inglaterra do século treze declinou o absolutismo da realeza. Deve-se ao zelo dos barões o melhor de suas liberdades tradicionais: o Parlamento Britânico (1258) e a Magna Carta Libertatum (1215). Estas fora conquistada ao rei João da Inglaterra, pelos nobre e pelo clero, garantindo-lhes maior influência nos negócios públicos, além de liberdades.

Em assuntos ideológicos é importante notar que a Magna Carta representou o crescimento do poder eclesiástico, bem como de sua influência no campo do ensino.



14. Na Alemanha Inocêncio III prestigiou Oton IV, do qual obteve promessas de respeitar direitos pontifícios. Se houve contendas entre ele e o pontificado, serviram pelo menos para revelar o prestigio deste. O mesmo ocorrera por ocasião das lutas em que se envolveu Frederico II. Com a morte de Frederico II se extinguiu na Alemanha a última relutância da investidura eclesiástica pela mão civil.

O grande império germânico passou a viver um interregno de 23 anos, disputando-se vários pretendentes a coroa imperial.

Entrementes as cidades foram tomando autonomia e a Polônia, a Áustria e a Hungria se tornaram independentes. As cidades livres se constituíram em verdadeiras repúblicas: Basiléia, Estrasburgo, Aix-la-Chapelle, Colônia.

Passaram as cidades livres a se coordenar em ligas, com assembléias de deputados, tendo sido a mais afamada a Hansa teutônica, fundada no início do século e ampliada no período do interregno, com o objetivo de defender a liberdade de comércio, por mar e por terra, e garantir os privilégios conquistados em outros países. O êxito foi extraordinário e fez prosperar as cidades da liga do Zuyderzés ao golfo de Finlândia. Esta situação se manteve até o século 16, quando a segurança do comércio voltou a ser estorvada pelos roubos à mão armada sobre as estradas e pela pirataria nos mares.



15. A prosperidade também se fez sentir em alguns Estados da Itália no curso já do século 13, condicionando favoravelmente as artes e a filosofia.

A morte de Frederico II libertou a Itálio do predomínio germânico, e as grandes cidades passaram a viver também autonomamente como as cidades da Hansa teutônica.

Inocêncio III conseguira que o poder civil da Sicília renunciasse a seus privilégios eclesiásticos.


Veneza tornou-se potência marítima e sua frota era a primeira do mundo, com mais de 3.000 navios, montados por 30.000 homens. O papa deu um anel para simbolizar a união da cidade esposada com o mar. Cada ano, no dia da Assunção o chefe supremo, ou seja o Doge, subia a um esplêndido navio e lançava um anel de ouro ao Adriático.

Mas a descoberta da América e do novo caminho das Índias, mas principalmente o domínio turco sobre Constantinopla, destruíram a base comercial de Veneza e desde então retrogrediu. Muitos dos seus homens foram servir aos objetivos da Espanha.


Florença foi uma republiqueta próspera da Itália medieval, onde as artes e as ciências prosperaram notoriamente. Fez-se sobremaneira conhecido o nome de Dante Alighieri (1265-1321).

Em síntese, a época culminante da Idade Média é o século 13, o século da pacificação comercial, o século das primeiras universidades, o século de grandes filósofos, sobretudo teólogos, o século de Tomás de Aquino.




§2. Contato com a filosofia Árabe. 8171y018.


19. A importância da filosofia dos árabes e judeus durante a Idade Média não está só nela em si mesma. Está sobretudo na função que exerceu nos séculos 12 e 13 sobre o pensamento cristão. Não é assunto desconhecido, pois uma vasta literatura se desenvolveu depois sobre o tema.

Tem os árabes no Oriente um papel histórico análogo aos dos bárbaros do Ocidente; ambos são herdeiros dos territórios e da cultura de um grande império que se dissolvera.

O Oriente era a parte mais erudita e mais diretamente ligada à antiguidade clássica, mesmo ainda porque a dissolução do Império do Oriente foi mais demorada que do Ocidente. Assim é que enquanto no Ocidente, Aristóteles apenas era conhecido por parte do Organon, no Oriente ela já existia traduzido para o sírio, língua próxima do árabe. Inclusive no Oriente continuava a haver escritores em língua grega no mesmo território árabe, como foi o caso de São João Damasceno.

Em contrapartida, porém, os árabes não se converteram à religião cristã, como acontecera com os germânicos e eslavos; não permitiram senão períodos de tolerância. A irredutibilidade dos maometanos talvez fosse a responsável pela perda em grande parte das tradições da cultura helênica do Oriente, que pereceu sobretudo na queima da biblioteca de Alexandria.



20. O grupo de escritores sírios cristãos aos quais de devem as traduções de Aristóteles, de Porfírio e de Pseudo-Dionísio foram principalmente os da escola nestoriana de Edessa.

O primeiro grande nome que atuou na região foi S. Efrem (c.306-373), nascido em Nisibe, cidade localizada a noroeste de Mossul, na Mesopotâmia. Como diácono, dirigiu uma escola em Nisibe. De 363 a 373, passou em Edessa, capital de Osrhoene, onde escreveu a maior parte de suas obras, em sírio. Foi considerado fundador do que se convencionou chamar a Escola de Edessa.

Em 489 criou-se a escola de Nisibe na Pérsia. Depois ainda se fundiram as escolas monofisitas de Resaina e Calcis. Fizeram-se notáveis Rábulas, bispo de Edessa de 412 a 435, e Ibas este um tradutor grego para o sírio.

Eram manuseados como autoridades os escritores gregos da escola de Antioquia Teodoro de Mopsuéstia e Teodoreto de Ciro. Junto vinham os demais escritores da língua grega; inclusive foi traduzido para o Sírio o livro grego de Santo Irineu, Adversus haereses, escrito no Ocidente. Esta cultura, pela afinidade de língua e pela posição geográfica que coincidia com o centro do império maometano, seria facilmente assimilada pelos árabes.




§3. Traduções e tradutores. 8171y022.


23. O mundo inteletual e cientifico europeu a começar do século 12, se deixou conduzir por manifesta curiosidade e de que a intensiva tradução para o latim de mais de 100 obras de valor, do árabe e grego, são a prova.

Como era natural, as traduções surgiram primeiramente nas regiões de contato, como na Espanha e Sicília. Fernando I, o Grande, rei de 1038 a 1065, dera inicio à reconquista da Espanha aos mouros, dando-lhes combate Saragoza e Toledo. Reconquistada Toledo, - a velha capital visigótica da Espanha -, ali se centralizou o movimento das traduções, apoiado pelo arcebispo Raimundo (1126-1151).

As traduções, intensificadas embora já no século 12, serviram sobretudo ao século 13, da Escolástica de Ouro.

Despontam como importantes tradutores Domingos de Gundissálvio (+ 1151), João de Espanha (séc. 12), Raimundo de Cremona (+1187) a que se juntaram tradutores também no Sul da Itália, bem como outros ainda já no século 13.


24. Domingos Gundissálvio, ou Domenicus Gundisalvi, ou ainda Gundisalinus (+ 1151). Nascido espanhol, foi Arquidiácono de Segóvia e atuou em Toledo entre 1130 e 1150. Figura entre os principais representantes do colégio de tradutores de Toledo. Tanto traduziu obras do árabe como produziu próprias.

Não foi Domingos Gundissálvio apenas um tradutor de obras do árabe para o latim; elaborou também um pensamento filosófico, mais ou menos eclético, em que aproveitou os novos elementos recebidos. Influenciou assim duplamente, como tradutor e como filósofo, sobre os demais pensadores do século 13.


Obras:

Restam cinco tratados de sua lavra pessoal:

De divisione Scientiae (1150), em que apresentou a classificação de Al Gazali e Avicena;
De immortalitate animae;
De processione mundi;
De unitate (por algum tempo atribuída a Boécio, com quem efetivamente tem afinidades);
De animae, que é seu, apenas como obra provável, e que consiste numa compilação de textos tomados a Avicena.
O ecletismo de Domingos Gundissálvio tomou elementos a Alfarabi, Avicena, Avencebrol, Isaac Israeli, de uma parte, e de Boécio, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, de outra.
Cronologicamente anterior a Averróis, sua obra é por isso importante na história escolástica, bem como porque é o primeiro a fazer filosofia na Europa cristã com aproveitamento amplo dos árabes e de Aristóteles.



25. Preocupou-se em determinar o objeto das ciências e sua classificação. Ampliou os conceitos do Trivium e Quadrivium, o que importa em abandoná-los e põe no seu lugar uma classificação inspirada na de Aristóteles.

Distinguiu entre Teologia e Filosofia. A teologia é uma ciência divina (Deo auctore, hominibus tradita). A filosofia é a ciência humana (humanis rationiobus adventa). Deu uma definição apreciável da filosofia, ao mesmo tempo que a descreveu:

"Philosophia est assimilatio hominis operibus Creatoris secundum virtutem humanitatis. Taedium et cura et studium et solicitudo mortis. Rerum humanarum divinarumque cognitio cum studio bene vivendi conjuncta. Integra cognitio hominis de seipso. Ars artium et disciplina disciplinarum. Amor sapientiae" (De divisione philosophiae, ed. Baur, cit. De Chevalier, H. De la pensés II, p. 297).

26. Ciências teóricas e práticas. Gundissálvio dividiu as ciências filosóficas em um grupo teórico, compreendido, como em Aristóteles, pela física (ciência das coisas móveis e materiais), matemática (ciência dos mesmos seres materiais separados de sua matéria e de seus movimentos pela inteligência), metafísica (ciência divina dos seres separados da matéria e do movimento, não só pela inteligência mas na ordem da existência); e, em um grupo prático, em que figuram a política, a economia, a ética.

Aristóteles pusera no mesmo nível destes dois grupos, um terceiro, o das ciências poéticas, que seriam a poética e a retórica. Ainda como Aristóteles, caracterizou Gundissálvio a lógica como ciência propedêutica. No seu grupo alinhou ainda a gramática, a poética e a retórica. Como se vê, o quadrivium em voga foi ampliado consideravelmente.

O retorno de Domingos Gundissálvio ao espírito da classificação aristotélica das ciências constitui passo importante e se refletirá sobre a posterioridade.


27. A metafísica de sentido aristotélico começou a evoluir em Domingos Guindissálvio. Ciência específica e primeira, a metafísica tem por objeto o ser como tal.

A exposição sobre Deus supera a de Avicena a quem todavia aproveitou. Deus criou o mundo, e não fez emaná-lo de si. Deus é a "Unidade criadora"; dele procede a unidade criada". Em Deus existe a matéria desde toda a eternidade apenas como ser possível; só no tempo passa ao ato do existir.

As coisas criadas compõem-se de uma forma (princípio de perfeição) e de uma matéria (princípio da multiplicidade). "Forma existens in matéria unitas est; materia per se diferit et de natura sua habet multiplicari" (De unitate, ed. Correns, p. 5).

A extensão da composição de matéria e forma a todos os seres criados, portanto não só aos corpos, é, entre os escolásticos inovação de Domingos de Gundissálvio. Algo de parecido já se vira defender entre os patrísticos. Aviceron a expõe expressa e amplamente. A tese será readotada por João de Espanha e os agostinianos do século 13 em geral.

Também representa inovação tipicamente gundissalviana a pluralidade das formas, constituídas das diversificações individuais. A tese se repetirá nos agostinianos medievais e em Dums Scoto. Terá em Tomás de Aquino franca oposição.


28. A psicologia de Domingos Gundissálvio exposta em De immortalitate animae conta com elementos mais aristotélicos do que os até então havidos, apesar do neoplatonismo com que o misturavam os árabes.

Se o tratado De anima lhe pertencer, seria ele uma prova de que Domingos Gundissálvio retomara praticamente quase todos os conceitos de Avicena, em psicologia; efetivamente o De anima se constitui de uma compilação de textos tomados literalmente da tradução latina do Liber VI Naturalium de Avicena, resumido, com adoção de mais alguns conceitos tomados ao De differentia animae et spiritus, atribuído a Costa ben Luca (Constabulinus) e de outras fontes.

Ali se estabelece um inteleto agente separado e uma hierarquia de seres semelhante ao universo neoplatônico árabe, embora com um Deus cristão. Retoma-se também uma doutrina de Chalcidius (que o autor supõe de Boécio) da sabedoria mística. A alma seria capaz de separar-se do corpo por instantes de êxtase para ser elevada (raptio) até Deus mesmo, Sol da justiça e Pai da luz. O rapto de São Paulo ao terceiro céu vem alegado como um exemplo (De anima, ed. R. De Vaux, 174).

No mesmo livro se propõe uma doutrina psico-filosófica das relações da alma e do corpo, entre o conhecimento sensível e intelectual, distintos e irredutíveis, mas correlacionados, e que novamente vem lembrar o início da penetração de Aristóteles entre os escolásticos. As provas da imortalidade da alma, em De immortalitate animae seguem nitidamente a via aristotélica que parte da natureza ou caracteres essenciais e próprios do objeto estudado. Abandona as provas de caráter teológico, fundadas por exemplo sobre a justiça de Deus.


29. João de Espanha (sec. 12). Não está clara a identidade de João de Espanha (Johannes Hispanus). Não se confunde com Pedro de Espanha, conhecido autor das Summulae logicales, do século seguinte.

Talvez João de Espanha fosse o mesmo que João de Toledo e João de Sevilha. É possível ainda que todos estes nomes indiquem por outra forma Avendeath (Ibn Daoud). Ibn Daoud figura, ao lado de Domingos Gundissálvio, entre os primeiros grandes tradutores.

João de Espanha foi auxiliar de Domingos Gundissálvio na tradução do Metafísica de Avicena. Deste traduziu também a Lógica.

Traduziu ainda João de Espanha De differentia spiritus et animae, atribuído então ao médico sírio Costa ben Luca (Constabulinus); hoje não se considera absolutamente a autenticidade.


30. Geraldo de Cremona (+1187), também da escola dos tradutores de Toledo, ali viveu, havendo falecido aos 73 anos.

Traduziu, através do árabe, textos de Aristóteles e Alexandre de Afrodísias, Euclides (Elementos), Ptolomeu (Almagesto), além dos mesmos autores árabes, entre outros, Avicena, Alfarrabi, Alkindi.

Mas o destaque mesmo se encontra nas traduções de Aristóteles: De celo (Do céu); Meteori (Meteoros), livros I e III; Analitica posteriora (Segundos analíticos), com o comentário de Temístio, que foi um comentador neoplatônico de Aristóteles da segunda metade do 4-o século e fundador de uma escola em Constantinopla; Fhysica; De generatione; De proprietatibus (do Pseudo-Aristóteles); Liber de causis (atribuído a Aristóteles, tratando-se, porém, de uma compilação de opiniões e textos da Elementa theologica de Proclus, como já se verificará um século depois).



Na Idade Média será Tomás de Aquino o comentador do mesmo livro: In posteriorum analyticorum expositio (1269-1272). Mas agora o texto já é de tradução direta realizada, pelo humanista Guilherme de Moerbecke.

Da lógica de Aristóteles já eram conhecidos desde Boecio os Primeiros analíticos, as Categorias, os Tópicos.

Cabe-lhe também a tradução do Liber de causis, atribuído então a Aristóteles; efetivamente, de que entretanto, Tomás de Aquino se conseguiu cientificas em tempo. Este livro de fundo neoplatônico e que mantinha em confusão a legítima interpretação de Aristóteles, corria na Idade Média sob o título Liber Aristotelis de expostions bonitatis purae, ou simplesmente Liber bonitatis purae.

Geraldo de Cremona traduziu também Definitionibus de Isaac Israeli, filósofo judeu da escola do Egito, neoplatônico (845-940 a.C.). a ele atribui S. Tomás célebre definição da verdade: "Veritas ... definitur secundum id quod formaliter rationem veri perficit; et sic dicit Isaac quod veritas est adaequatio rei et intellectus" (De Veritate) I a. 1 c.)


32. Traduções no Sul da Itália. Por razões idênticas às da Espanha, passaram-se também a fazer traduções na então corte de Sicília, onde os contatos com os árabes eram também efetivos.

Esta ilha aquinhoada do centro do Mediterrâneo, na qual os velhos gregos criaram uma civilização, e que depois passou aos cartaginenses e a seguir aos romanos, fora conquistada 440 d.C. pelos godos, primeiro povo moderno que ali se estabeleceu; em 535 Belizário a reconquistou para o império de Bizâncio.

Em 878 foi penetrada pelos sarracenos. Abriu-se pois mais uma porta à cultura árabe na Europa, ainda que não nas proporções da Espanha. Além disto os árabes serão expelidos mais cedo do Sul da Itália, que os da Ibéria, por obra dos normandos, sob Roberto e Rogério Guiscardo, que dominaram de 1072 a 1194.

Tomaram então a vez os imperadores alemães. Frederico II (1194-1250) se fazia coroar em 1198 em Palermo; deu ampla proteção às artes e letras. O mesmo faria seu filho, Manfredo, rei de Sicília (1258-1266).


33. Miguel Scot (c. 1175-1234), escolástico escocês, foi um dos sábios da corte de Sicília, havendo sido tutor de Frederico II.

Foi celebrado em toda a Europa como astrólogo e mágico.

Dante fez-lhe uma alusão em seu Inferno.

Escreveu sobre astronomia e alquimia. Traduziu os Comentários de Averróis sobre De Anima e De coelo, de Aristóteles. Possivelmente também foram suas as traduções dos textos aristotélicos: De generatione, Meteoros, Parva naturalia.


34. Guilherme o alemão (+ 1272), bispo de Astorga, também se alinha sob o grupo de tradutores da Sicília.

Verteu ao latim os Comentários de Averróis sobre a Ética a Nicomaco, sobre a Retórica e sobre a Poética.


35. Traduções diretas do Grego. O desenvolvimento dos estudos do grego no Ocidente imediatamente deu lugar às traduções diretas ao latim, com grande vantagem para dissolver a confusão reinante sobre detalhes importantes da filosofia de Aristóteles.

Na Sicília, antes de 1162 o helenista Henrique Aristipo, arquidiácono de Catânia, verteu o quarto livro dos Meteoros. Foram traduzidos então também a Ótica de Euclides, a Ótica e a Sintaxe de Ptolomeu, os Elementos físicos de Proclus. Em 1210 se conheceu em Paris uma tradução da Metafísica de Aristóteles. No mesmo tempo se aprovou em Pádua uma tradução de data anterior a 1200.


36. Bartolomeu de Messina, da corte de Manfredo, da Sicília, traduziu por volta de 1260, a grande Ética, os Problemas, De mirabilibus, Physiognomoniae.


37. Alfredo de Sareshel, dito também o Inglês (Alfredus Anglicus), médico e filósofo naturalista, dedicou-se ao seu gênero. Pelos anos de 1215 traduziu de Aristóteles De anima, De somno, De respiratione. E ainda o tratado dos Vegetais, falsamente atribuído a Aristóteles. Comentou Meteoros de Aristóteles.

Escreveu De motu cordis, em que surgem os conhecimentos recebidos da nova literatura. Descreveu as diferentes etapas da emanação dos seres. Introduz o conceito de criação, operada livremente por Deus.


38. Daniel de Morley, outro inglês, também se dedicou às traduções.


39. Roberto Grosseteste ou Greathead (1175-1253) traduziu ou fez traduzir, entre 1240 e 1250, as três Éticas de Aristóteles, e, possivelmente, também os comentários de Eustrato e Miguel de Éfeso. Inglês de nascimento, depois de cursar em Oxford, atuou algum tempo em Paris. Em 1208 logrou ser chanceler da universidade de Oxford e em 1235 bispo de Lincoln.

A par de seu trabalho de traduções, ainda desenvolveu a filosofia e orientou os espíritos para as ciências de observação. Por isso é também tratado como filósofo, tendo sido um grande representante dos mestres seculares (vd 92 ).


40. Guilherme de Moerbecke (alguns grafam Moerbeke) (séc. 13, com traduções realizadas entre 1260 a 1285), da Ordem dominicana. Depois de passar por Roma, sob Clemente IV (1265-1269), foi ser, por último, depois de 1278, arcebispo de Corinto, na Grécia. Reconhecido como o melhor dos tradutores diretos do grego, dos seus textos saiu o material para os comentários escritos por Tomás de Aquino.

De Aristóteles, verteu a Política (1260), a Econômica (1267) os Analíticos, a Metafísica, a Física, De anima, os comentários de Simplício, as Categorias e a De coelo.

Traduziu também aos comentadores de Aristóteles: Alexandre Afrodísias, João Filopono, Simplício, Temístio.

De Proclus traduziu os Elementos teológicos (1268), em que foi possível reconhecer, como parte do livro de Proclus, o De causis, já traduzido por Geraldo de Cremona e falsamente atribuído até então a Aristóteles.

De Proclus ainda traduziu De decem dubitationibus circa providentiam; De providentia et fato; De malorum subsistentia; deste não mais se conserva atualmente o original grego.

Também traduziu textos de Hipócrates e Galeno.



A orientação pessoal de Guilherme de Moerbeke era neoplatônica, com algum alinhamento com o tomismo (vd 306).


§4. Origem das Universidades. 8171y041.


42. O conceito de Universidade requer dois elementos opostos, escolas superiores distintas entre si e conjugação sob uma direção central. Já na alta antiguidade grega e romana ocorriam as escolas de ensino superior, de que por primeiro se destacaram a Academia (387 a.C.) e o Liceu (334 a.C.). Fechadas pelo Imperador cristão de Constantinopla em 529, não tiveram continuidade histórica.

Com a hegemonia dos povos bárbaros, convertidos pela Igreja, passaram de novo a ser fundadas escolas superiores de ensino. Já na primeira metade da Idade Média algumas tomavam grande vulto. Elas se generalizaram a partir das Capitulares de 787, de Carlos Magno, recomendando a fundação das mesmas em todo o Império.

Distribuíam-se em três classes, conhecidas por Escolas Monacais, junto aos mosteiros, Escolas Catedrais, anexas às Sés episcopais, Escolas Palatinas, nas cortes. Tomaram maior incremento as Escolas Catedrais, ligadas mais diretamente à Hierarquia Eclesiástica, ou seja aos bispos e ao clero secular, delas se originando as primeiras universidades.

A evolução das escolas, em algumas cidades com milhares de alunos, se atribui a fatores vários, à falta de livros, pois que a imprensa seria inventada apenas no final da época.



43. O notável movimento de magistério superior promovido pelos eclesiásticos, foi logo criando complicações de relacionamento. E foi assim que a Universidade propriamente dita surgiu por iniciativa de professores e alunos, resolvidos a criar um corpo orgânico único, constituído pelas escolas dos inúmeros mestres e alunos existentes e exparsos por uma determinada cidade.

Em Paris resolveu a universidade dos mestres e alunos (universitas magistrorum et scholarium) estabelecer uma jurisdição central, que seria exercida pelo Chanceler da Catedral.

O fato ocorria em fins do século 12. Mas já em 1200 o rei da França Felipe Augusto reconhecia esta união da "universidade dos mestres e professores" e em 1215 Roberto Courçon, legado do Papa, lhe dava os estatutos. Aos poucos definiram-se quatro faculdades, a dos médicos, juristas, artistas, teólogos.

À semelhança da de Paris, se estabeleceram numerosas outras universidades, sempre precedidas de algumas escolas superiores isoladas. As novas universidades se costuma citar pelo nome de suas respectivas cidades: Bolonha (começo do século 13), Tolosa (1233), Salamanca (1248), Cambridge (1231), Oxford (1258), Montpelier (1289), Pádua, Siena, Parma, Valença, Orleans, Roma, Napoles, Placencia, Colônia, Viena, Heidelberg, Praga, Lion, Réggio, Ferrara, Alcalá, Bourges, Lovaina, Coimbra.

As últimas universidades citadas surgiram já no final da Idade Média e mesmo depois (vd 466). A Faculdade de Medicina de Salermo (Sul da Itália), famosa na Idade Média, foi supressa em 1817.

Em virtude de se haverem organizado aos poucos e empiricamente, é difícil estabelecer com exatidão a data inicial das primeiras. Particularmente com referência a Bolonha e Montepellier é possível dizer que são mais antigas, em alguns aspectos, que a de Paris.


Mas a universidade de Paris veio a ser o tipo padrão de universidade medieval.

Compunha-se a Universidade de Paris das Faculdades de teologia e de filosofia, esta chamada também Faculdade das Artes, não demorando a de Medicina.

Pela faculdade de Filosofia surgiu o nome de Reitor e pela de Teologia veio o nome de Sorbona.

A figura do Chanceler se transformou paulatinamente em censor eclesiástico.


Sobressaía no conjunto universitário a Faculdade de Filosofia pelo seu maior número de alunos, eclesiásticos e leigos, como também pelos múltiplas subunidades de ensino, que futuramente constituíram tantas outras faculdades. A complexidade de sua estrutura fez criar um Reitor, com já se disse, e que era eleito por mestres e alunos.

A projeção da Faculdade de Filosofia veio alterar o prestigio do reitor sobre o chanceler, motivando uma luta de jurisdição que durou um século. Foi assim que, desde o século 14, o chefe da universidade se designa pelo nome de Reitor.

No século 15 surgiu ainda a designação suplementar de Reitor Magnífico, atribuída a primeira vez ao reitor da Universidade de Bolonha.

Hoje subsiste ainda a designação de um Chanceler nas universidades católicas pontifícias, com a função específica de zelar pela ortodoxia do ensino. No passado condenavam doutrinas, livros e mestres quando discordes com o pensamento oficial.


Do ponto de vista filosófico, sobressaiu-se também a Universidade de Oxford, fundada em 1258, pela notoriedade de seus mestres.

As escolas de teologia dos religiosos medievais também se filiavam a universidade, abertas igualmente para os seculares. Em Paris incorporaram-se na seguinte ordem cronológica, a dos dominicanos em 1219, a dos franciscanos em 1231, a dos cisterciences em 1256, a dos eremitas de S. Agostinho em 1287, a dos carmelitas em 1295.


44. Sorbonne . Das muitas escolas livres que compunham a Universidade de Paris, mais resistiu ao tempo a do Cônego Roberto Sorbon (ou Sorbonne), fundada em 1257, como simples anexo da faculdade de Teologia. Era designada "Colégio de Mestres e Estudantes pobres da Faculdade de Teologia", para o clero secular.

Seus estatutos eram rigorosos e concediam o grau de Mestre ou de Doutor apenas no 10-o ano, após uma disputa de um dia inteiro, em que se defendia a assim chamada "A Tese Sorbônica".

A escola se tornou famosa e atraiu grande número de alunos, particularmente dos países latinos, originando-se daí o nome do "Bairro Latino".


Da Sorbonne partiu mais tarde uma forte luta intelectual contra o protestantismo e o jansenismo. Seus professores eram ouvidos por Roma. No fim do século 16 o prestígio decaía, como de tudo o que procedia da Idade Média. A revolução francesa tentou mesmo aplicar um golpe mortal na Sorbonne, fechando-a como passadista.

Em 1808, sob Napoleão, com a reforma das Universidades Francesas, a Sorbonne reapareceu como Academia, servindo-se das construções da Sorbonne que foram modificadas e em parte reconstruídas de 1884 a 1900. Na estrutura atual a Sorbonne está sob o título de Universidade de Paris III.

Aliás aconteceu no século 19 uma geral tendência de reforma das universidades. A de Napoleão acentuou a integração da universidade no sistema nacional de educação. A reforma da universidade alemã, chefiada por Humbold, foi também muito apreciada.





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